quinta-feira, 10 de abril de 2008

Body of War (Phil Donahue, EUA,2007)

Estou trabalhando em um documentário sobre portadores de deficiência física em São Paulo e devido a isso me interessei por um filme que poderia muito bem passar despercebido -- para quem não se interessa pelas campanhas antibelicistas dos ativistas contrários à Guerra do Iraque.

Body of War é um libelo de propaganda que tem como objetivo emocionar a audiência e criar um sentimento humanitário antiguerra e anti-Bush. Mas alheio a esse discurso, o que é realmente interessante no documentário é o trabalho de Tomas Young, que depois de ficar paralisado no Iraque começou uma guerra pessoal nas campanhas para a saída dos Estados Unidos do conflito no Oriente Médio.

Em março de 2004, Young, então com 24 anos, se alistou no Exército e foi mandado para o Iraque. Obviamente sem talento guerreiro, na sua primeira operação acabou ferido e realocado para uma cama do Walter Reed Army Medical Center, para se recuperar de um tiro que levou na altura do peito e o deixou paralisado do diafragma para baixo.

Esse "corpo de guerra" é revelado de forma extremamente íntima e próxima a nós pelo filme. Uma entrega interessante e difícil de ser conseguida quando estranhos tentam captar a intimidade de um personagem ocupando o seu espaço cotidiano com toda uma parafernália de câmera, microfone, cabos e, claro, pessoas.

O filme é produzido pela documentarista Ellen Spiro e pelo apresentador de TV (e agora ativista político) Phil Donahue. E o grande valor dele não é o discurso embutido nas imagens, mas a confiança que os cineastas conseguiram produzir no seu personagem e que se traduz em imagens de beleza rara de um jovem lutando para se vestir sozinho e subir em sua cadeira de rodas; e, num momento de frustração e raiva, gritando a plenos pulmões com a mãe que tenta ajudá-lo.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Charlie Wilson's War (Mike Nichols, EUA, 2007)

Quando um cineasta escolhe, entre todos os outros temas possíveis, fazer um filme sobre política internacional e sobre uma guerra clandestina envolvendo Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria, ele pode ser tudo menos omisso e leviano.

É exatamente nesse ponto onde Mike Nichols peca em Charlie Wilson's War (traduzido nas telas brasileiras para Jogos do Poder).

Cineasta tarimbado e premiado, autor do clássico The Graduate, em 1967 (A Primeira Noite de um Homem), Nichols vive uma carreira inconstante. Esse filme, apesar de ter sido indicado ao Oscar ao lado de There Will Be Blood e No Country for Old Men, passa na média com ajuda do professor.

Tom Hanks é um congressista americano que nos é apresentado como um playboy refestelado em uma jacuzzi cercado por três prostitutas e com um copo de uísque na mão. Numa evolução radical de mais para ser verossímil, esse homem irá virar um estadista responsável pela construção da estratégia militar que derrotou a União Soviética no Afeganistão com dinheiro da CIA.

Onde está Ronald Regan no filme? Na verdade, para a audiência desavisada, parece que um congressista americano tem o poder de manipular US$ 500 milhões por vontade própria sem costuras de bastidor ou negociações mais complicadas do que um telefonema para um assessor.

O filme parece ganhar peso quando Israel e a Arábia Saudita entram no roteiro. (Como se sabe o investimento da CIA e a colaboração direta da Arábia Saudita no conflito afegão gerou nada mais nada menos do que Osama bin Laden.) Mas a esperança do filme ganhar um discurso mais adulto morre na cena seguinte, quando os chefes de Estado dão lugar para mais algumas piadinhas sem graça sobre a libertinagem dos congressistas americanos.

O que salva o filme e evita que ele seja uma bomba é o excelente Philip Seymour Hoffman. Ele encarna um agente da CIA frustrado e cançado da burocracia da agência que vê no personagem de Tom Hanks a possibilidade de derrotar os comunistas (sua maior motivação na vida). O personagem é o mais bem construído, com diálogos brilhantes e um sarcasmo que beira o shakespeariano.

Se todo o filme tivesse a energia e o cuidado de construção desse personagem, sem dúvida, seria uma grande obra. Mas não teve.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

The Unforeseen (Laura Dunn, EUA, 2007)

Em outubro de 2002, um empreiteiro do Texas chamado Gary Bradley mandou um e-mail para o jornal The Austin Chronicle escrevendo que tudo que ele realmente gostaria de fazer era um filme. É duvidoso que o documentário The Unforeseen, no qual ele interpreta um dos vilões do filme, fosse o que ele tivesse em mente.

O sr. Bradley enviou o e-mail para o jornal da capital do Texas logo depois de ter declarado falência. A história dele está contada entre outras em The Unforeseen, um filme com uma grande temática, ou melhor diversas grandes temáticas. Entre elas: os direitos humanos, a degradação da natureza, das águas subterrâneas, do ar e toda essa falação tipicamente ecologista. Ele é sem dúvida um filme com uma temática política, principalmente por que um grupo ambiental chamado Earth First! aparece incansavelmente na tema.

Basicamente o filme usa uma história regional premimente para tratar de um problema com implicações globais. Em outras palavras, é uma história sobre verdades inconvenientes e da luta justa de heróis contra pessoas realmente más. Um tanto maniqueísta e com verdades prontas, mesmo para quem, como eu, acredita no respeito ao meio ambiente.

A diretora do documentário é Laura Dunn, que já fez o também ecológico Green. Em The Unforeseen, ela deixa o empreiteiro texano falar abertamente sobre a vida dele. No início dos anos 1980, ele deu início a um enorme empreedimento na região sudoeste de Austin, chamado Rancho do Círculo C. As crises de empréstimos do final daquela década jogou pó sobre os planos dele. Para salvá-lo da quebra, uma multinacional da mineração chamada Freeport-McMoRan entrou no projeto e injetou dinheiro grosso, aumentando o Círculo C e criando um outro empreendimento que avançava sobre o cinturão verde que existia ao redor de Austin.

Habitat de um tipo de salamandra ameaçada de extinção, o cinturão verde tem um rio chamado Barton Creek que corre para um aqüífero que fornece água potável para Austin. O projeto da Freeport -- e os milhões de dólares que as obras de construção dela financiadas om dinheiro público -- teria aterrado o rio com dejetos e toneladas de lixo matando milhares de animais.

Os moradores de Austin, sabendo que tudo que vai para a água acaba voltando para eles, tiveram uma outra idéia. O que acontece no filme é uma refrega que põe de um lado ambientalistas, cidadãos preocupadas e a prefeitura de Austin e do outro empreiteiros, interesses comerciais, lobistas, deputados e o então governador do Texas, George W. Bush.

É um cenário tenebroso: grandes negócios contra gente pequena, natureza contra cultura, civilização e seus discontentes. Trabalhando com o câmera Lee Daniel, Dunn consegue harmonizar uma quantidade enorme de personagens e histórias com uma igualmente profusa quantidade de quadros, gráficos, noticiários, fotografias antigas e seqüências de incrível beleza plástica.

O grande pecado do filme é que todo esse material parece estar comprimido demais nos seus 93 minutos. Tudo soa como se ocupasse menos espaço do que deveria. Ou desse menos tempo do que se precisa para entender e digerir as histórias e implicações. Outro problema é Robert Redford, que é um dos produtores-executivos do documentário. Ele aparece muito no filme e tira, com sua presença, o impacto da mensagem.

O outro produtor-executivo é Terrence Malick, natural de Austin.

Preste atenção: nas lindas tomadas aéreas assinadas por Lee Daniel.

Não mudo uma linha

Depois da premiação de Tropa de Elite, em Berlim, fui perguntado se não mudaria minha opinião sobre o filme de José Padilha. Sigo concordando com o diretor que o filme não tem nada de fascista, na sua ideologia. Mas é, sem dúvida, fascistóide. Tem um formato fascista que inibe qualquer opinião contrária de se fazer presente entre os tiros, gritos e lições de moral brucutu que permeiam a obra.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Indicações para o Oscar 2008

O Brasil ficou de fora mais uma vez da disputa pelo Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira -- concorria a uma vaga com "O Ano em que meus pais saíram de férias", de Cao Hamburguer. Uma pena, pois a Academia de Cinema de Hollywood fez uma seleção de peso em todas as categorias deste ano.

"No Country for Old Men", dos Irmãos Cohen, e "There Will Be Blood", de Paul Thomas Anderson, lideraram as indicações concorrendo em oito categorias cada um, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção.

Também concorrendo a Melhor Filme está "Michael Clayton", um thriller a la anos 70 estrelado por George Clooney. O filme recebeu mais seis indicações, incluindo Melhor Ator (Clooney), e Melhor Atriz Coadjuvante (Tilda Swinton). "Desejo e Reparação" (Atonement), que venceu o Globo de Ouro, também ficou com sete indicações.


Diferentemente do ano passado, quando grandes produções como "The Departed" e "Dreamgirls" dominaram as indicações, o Oscar deste ano está marcado por filmes com temas mais soturnos e finais pouco convencionais. Prova disso foi que nenhum alcançou as bilheterias registradas na temporada passada.

Causou estranheza o fato de "American Gangster", o blockbuster da Universal Pictures estrelado por Denzel Washington, e "Into the Wild", dirigido por Sean Penn, ambos muito elogiados pela crítica, terem recebido apenas duas indicações.

"Juno" ganhou quatro indicações, incluindo Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Original.

A indicação óbvia, e o maior favorito deste ano, é Daniel Day-Lewis, por "There Will Be Blood", como Melhor Ator.


A cerimônia de premiação está marcada para o dia 24 de fevereiro. Se a greve dos roteiristas não causar problemas em Hollywood.

Abaixo a lista completa das indicações.

Melhor Filme:
“Atonement”
“Juno”
“Michael Clayton"
“No Country for Old Men”
“There Will Be Blood”

Melhor Atriz:
Cate Blanchett, por “Elizabeth: The Golden Age"
Julie Christie, por “Away from Her”
Marion Cotillard, por “La Vie en Rose”
Laura Linney, por “The Savages”
Ellen Page, por “Juno”

Melhor Ator:
George Clooney, por “Michael Clayton”
Daniel Day-Lewis, por “There Will Be Blood”
Johnny Depp, por “Sweeney Todd The Demon Barber of Fleet Street”
Tommy Lee Jones, por “In the Valley of Elah”
Viggo Mortensen, por “Eastern Promises”

Melhor Ator Coadjuvante:
Casey Affleck, por “The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford”
Javier Bardem, por “No Country for Old Men”
Philip Seymour Hoffman, por “Charlie Wilson’s War”
Hal Holbrook, por “Into the Wild”
Tom Wilkinson, por “Michael Clayton”

Melhor Direção:
“The Diving Bell and the Butterfly”, Julian Schnabel
“Juno”, Jason Reitman
“Michael Clayton”, Tony Gilroy
“No Country for Old Men”, Joel Coen and Ethan Coen
“There Will Be Blood”, Paul Thomas Anderson

Melhor Atriz Coadjuvante:
Cate Blanchett, por “I’m Not There”
Ruby Dee, por “American Gangster”
Saoirse Ronan, por “Atonement”
Amy Ryan, por “Gone Baby Gone”
Tilda Swinton, por “Michael Clayton”

Melhor Roteiro Adaptado:
“Atonement”, Christopher Hampton
“Away from Her”, Sarah Polley
“The Diving Bell and the Butterfly”, Ronald Harwood
“No Country for Old Men”, Joel Coen & Ethan Coen
“There Will Be Blood”, Paul Thomas Anderson

Melhor Roteiro Original:
“Juno”, Diablo Cody
“Lars and the Real Girl”, Nancy Oliver
“Michael Clayton”, Tony Gilroy
“Ratatouille”, Jan Pinkava, Jim Capobianco e Brad Bird
“The Savages”, Tamara Jenkins

Melhor Filme de Animação:
“Persepolis”
“Ratatouille”
“Surf’s Up”

Melhor Filme em Língua Estrangeira:
“Beaufort”, Israel
“The Counterfeiters”, Áustria
“Katyn”, Polônia
“Mongol”, Cazaquistão
“12", Rússia

Melhor Direção de Arte:
“American Gangster”
“Atonement”
“The Golden Compass”
“Sweeney Todd The Demon Barber of Fleet Street”
“There Will Be Blood”

Melhor Fotografia:
“The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford”
“The Diving Bell and the Butterfly”
“No Country for Old Men”
“There Will Be Blood”

Melhor Figurino:
“Across the Universe”
“Atonement”
“Elizabeth: The Golden Age”
“La Vie en Rose”
“Sweeney Todd The Demon Barber of Fleet Street”

Melhor Documentário:
“No End in Sight”, Charles Ferguson e Audrey Marrs
“Operation Homecoming: Writing the Wartime Experience”, Richard E. Robbins
“Sicko”, Michael Moore e Meghan O’Hara
“Taxi to the Dark Side”, Alex Gibney e Eva Orner
“War/Dance”, Andrea Nix Fine e Sean Fine

Melhor Documentário (curta metragem):
“Freeheld”, Cynthia Wade e Vanessa Roth
“La Corona (The Crown)”, Amanda Micheli e Isabel Vega
“Salim Baba”, Tim Sternberg e Francisco Bello
“Sari’s Mother”, James Longley

Melhor Edição:
“The Bourne Ultimatum”
“The Diving Bell and the Butterfly”
“Into the Wild”
“No Country for Old Men”
“There Will Be Blood”

Melhor Maquiagem:
“La Vie en Rose”
“Norbit”
“Pirates of the Caribbean: At World’s End”

Melhor Trilha Sonora Original:
“Atonement”
“The Kite Runner”
“Michael Clayton”
“Ratatouille”
“3:10 to Yuma”

Melhor Música Original:
“Falling Slowly” de “Once”
“Happy Working Song” de “Enchanted”
“Raise It Up” de “August Rush”
“So Close” de “Enchanted”
“That’s How You Know” de “Enchanted”

Melhor Curta de Animação:
“I Met the Walrus”
“Madame Tutli-Putli”
“My Love (Moya Lyubov)”
“Peter & the Wolf"

Melhor Curta Metragem:
“At Night”
“Il Supplente (The Substitute)”
“Le Mozart des Pickpockets (The Mozart of Pickpockets)”
“Tanghi Argentini”
“The Tonto Woman”

Melhor Edição de Som:
“The Bourne Ultimatum”
“No Country for Old Men”
“Ratatouille”
“There Will Be Blood”
“Transformers”

Melhor Mixagem de Som:
“The Bourne Ultimatum”
“No Country for Old Men”
“Ratatouille”
“3:10 to Yuma”
“Transformers”

Melhor Efeitos Visuais:
“The Golden Compass”
“Pirates of the Caribbean: At World’s End”
“Transformers”

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Desejo e Reparação (Joe Wright, UK/FRA, 2007)

Depois de receber o Globo de Ouro de melhor filme do ano, a adaptação do romance Reparação (Atonement), de Ian McEwan, foi nomeado para disputar nada menos do que 14 prêmios Bafta (o Oscar da British Academy of Film and Television Arts).

Ambientado no entre guerras -- um período por si só poético e dramático --, no interior de uma Inglaterra convulsionada e apegada ainda aos valores do século XIX, onde vestidos deveriam ser de seda pregueada e os cigarros, fumados com delicadas tragadas sensuais, a sensualidade é o cubo que move a roda desse drama. Não poderia ser diferente tendo Keira Knightley como protagonista. São a sensualidade e o tesão que irão demover os personagens de suas posições confortáveis para a fogueira dos erros e desgraças humanos.

Adaptações literárias são sempre difíceis (como já analisei em um post anterior). Mas o roteiro de Christopher Hampton é competente. Nada mais do que isso, para ser sincero. Ele valoriza a fotografia (cuidadosamente linda) e a interpretação dos atores, sem criar grandes exercícios fílmicos diferentes. Assim, apesar de muito bem feito e tecnicamente perfeito, Desejo e Reparação serve para o público conhecer um grande livro sem precisar ler suas 450 páginas. Como cinema, é raso.

Keira Knightley faz o papel de Cecilia Tallis, um garota rica do interior inglês que descobre o amor com e por Robbie (James McAvoy), filho de um dos empregados da propriedade de sua família. Soa bobo e previsível. E em grande medida pode parecer que você já viu essa história na última novela das sete da Globo. E é por aí mesmo.

O romance é espionado pela irmã mais nova de Cecilia, Briony (Saoirse Ronan -- se pronuncia Sircha), cuja imaturidade e língua grande vai jogar o casal numa convulsão familiar sem solução fácil.

Mas, de repente, nada mais importa, pois o mundo é lançado na Segunda Guerra Mundial. Essa mudança de foco entre o drama familiar e o épico histórico -- que no livro de McEwan leva mais de duzentas páginas para ser solucinada -- é caótica no roteiro de um filme de 130 minutos.

Como todo filme de guerra, há grandes e poderosas cenas. Mas o foco do filme não é esse. A beleza técnica das tomadas perde relevo diante do vazio da própria história.

Assim, Desejo e Reparação conta um drama sobre a culpa nas escolhas da vida e como o ser humano se esforça para buscar a redenção na nossa tragicamente imperfeita existência. Um tema complexo demais para ganhar relevo e profundidade em uma curta exposição. Um tema, sim, digno de um longo romance.

O filme vale a pena, mais uma vez, pela beleza plástica e por Keira Knightley. Mas, se você tiver tempo prefira o livro.

Preste atenção no delicado jogo de sons que é composto entre a música orquestral de piano e o som das máquinas de escrever de dois personagens (um escritor de teatro e um camponês). Isso é obra de Dario Marianelli que assina música do filme.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Persepolis (Vincent Paronnaud, FRA/EUA, 2007)

Rotular Persepolis de uma animação é reduzir o poder narrativo e artístico deste brilhante filme baseado no romance homônimo em quadrinhos de Marjane Satrapi. Dirigido pela própria Satrapi e por Vincent Paronnaud, o filme conta a juventude de Marjani em Teerã. Nascida em uma família de intelectuais de esquerda, que são oprimidos pelo regime ditatorial do Xá e, depois da Revolução Islâmica, pelos mulás que passam a governar o país, ela se torna adolescente e vai para o exílio em um ambiente de convulsão política e social.

Mas o enredo não se resume à crítica política, Marjani passa por desafios íntimos dentro da própria família, tendo a avó como pilar ético e humorístico da trama. Tudo isso amarrado com uma impressionante economia visual nas figuras humanas chapadas em preto e branco. Extremamente estilizado, Persepolis renova o dito de que menos é mais ao extrair da simplicidade gráfica um impacto narrativo incrível.

Se colocando contrária à intolerância em seu país e à superstição de sua religião, Marjane toma uma postura de desafio ao status quo. Mas a personagem não é uma heroína inabalável. Na verdade, o discurso político está bem reduzido dentro do visual simples e direto do filme, que trabalha mais com sentimentos do que com slogans.

No meio da violência que segue a Revolução Islâmica, Marjane é mandada pelos seus pais para a Áustria, para seguir estudando no exílio. Nesse momento o filme cresce em complexidade, quando somos forçados a ver a alienação estudantil e da esquerda austríaca em comparação com o ambiente de revolução que havíamos testemunhado em Teerã.

Solitária em um ambiente desconhecido, Marjane ingressa no movimento punk de Viena. Exemplo de contestação no Ocidente, a onda punk na Áustria é uma saída triste e insossa para as dúvidas de Marjane, que busca ali o niilismo de crítica à realidade que conheceu. Quando percebe esse contraste, a personagem irá se impor uma escolha única: ficar no exílio com liberdade cultural e conforto; ou abrir mão de sua individualidade para voltar à sua terra natal.

Mas nada de saídas fáceis e sentimentais para esse filme com visual tão fácil e sentimental. Nada de indulgência dramática nessa animação que parece ser tão pobre em meios como em soluções para as suas questões morais. Persepolis é forte exatamente onde poderia ser fraco: ele nunca é indulgente com as histórias que conta -- e chega a beirar a crueldade com sua protagonista.

Preste atenção em como são desenhados os prédios nas cidades em que se passa a história, Teerã e Viena. E nas vozes das três mulheres do filme, Marjane, sua mãe e sua avó, interpretadas em francês por Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e Danielle Darrieux, respectivamente.